Estava ansiosa por esta entrevista, para ler e publica-la, mas devido a falta de tempo não conseguirei editar, pois minha banca já será amanhã e estou correndo com a apresentação. Peço desculpa por postar na íntegra, mas acredito que isso também irá contribuir com sua leitura, pois aqui está a mais sincera e objetiva opinião do Dr. Ricardo Herbert Jones, profissional com extensa carreira na medicina e militante de importantes movimentos pró humanização do parto.
Quando se ouve que o Brasil é atrasado em relação à humanização do parto (comparado aos países europeus), acaba sendo culpa da tecnologia que para acelerar o processo, esqueceu-se que a mulher deve ser ouvida e respeitada durante o parto. Como usar esse avanço tecnológico a favor, mas sem inibir a atuação da mulher?
O atraso que percebo no Brasil não está ligado à disponibilidade de tecnologia, mas à falta de um debate moderno sobre as questões relacionadas aos direitos humanos reprodutivos e sexuais. Não é possível perceber nenhuma distinção entre as facilidades tecnológicas oferecidas à classe média brasileira para o acompanhamento de um parto daquelas oferecidas ao mesmo estrato social europeu. Entretanto, a possibilidade de uma mulher aí inserida ser submetida a uma cesariana é muito maior no Brasil do que na Europa. A razão para esta discrepância é eminentemente cultural, e não econômica. As questões econômicas estão restritas ao SUS e suas dificuldades, mas os usuários do sistema estatal de saúde tem uma chance muito maior de conseguirem um parto vaginal. Infelizmente este parto será invariavelmente repleto de intervenções e envolto pela aura obscura da violência institucional. Recentes pesquisas demonstram que 27% das pacientes do sistema público sofrem algum tipo de violência durante a assistência ao parto, seja verbal, física ou moral. Mesmo as do sistema privado também são vítimas dessa violência, mas em número um pouco menor: 17%. As propostas da humanização do nascimento, por exemplo, beneficiam o bom uso de tecnologia, e reforçam o conceito de que esta só pode ser aplicada em circunstâncias especiais, e sempre para resguardar o bem estar do binômio mãebebê. Diante do questionamento freqüente sobre os limites da utilização de tecnologia, eu estabeleci uma proposta de assistência humanizada ao nascimento que se assenta sobre um tripé conceitual:
- O protagonismo restituído à mulher, sem o qual estaremos apenas "sofisticando a tutela" imposta milenarmente pelo patriarcado.
- Uma visão integrativa e interdisciplinar do parto, retirando deste o caráter de "processo biológico", e alçando-o ao patamar de "evento humano", onde os aspectos emocionais, fisiológicos, sociais, culturais e espirituais são igualmente valorizados, e suas específicas necessidades atendidas.
- Uma vinculação visceral com a Medicina Baseada em Evidências, deixando claro que o movimento de "Humanização do Nascimento", que hoje em dia se espalha pelo mundo inteiro, funciona sob o "Império da Razão", e não é movido por crenças religiosas, idéias místicas ou pressupostos fantasiosos.
Sendo grande ativista na Medicina Baseada em Evidências, como avalia o conflito MBE x novas tecnologias para o nascimento?
Eu particularmente não vejo conflitos nessa área. Existem pesquisas e revisões sistemáticas que são publicadas todos os dias a respeito de novas abordagens sobre o nascimento. Conforme expressei anteriormente, a Medicina Baseada em Evidências é parte integrante de uma estratégia para a humanização do nascimento. Antes da introdução desta importante ferramenta as condutas com gestantes em centros obstétricos eram marcadamente ideológicas, normalmente refletindo os valores pessoais dos chefes de serviço. O modelo de atenção seguia uma hierarquia totêmica e, portanto, os mais graduados é que ditavam regras, que muitas vezes não refletiam o estado da arte da ciência obstétrica. Entretanto, apesar do longo tempo em que a MBE está oferecendo orientações aos profissionais da assistência ao parto, ainda existem muitas condutas que precisam ser revistas. Entre tantas podemos citar a monitorização eletrônica contínua e a episiotomia, que apesar de não oferecerem benefícios quando utilizadas de rotina, ainda são usadas nos hospitais brasileiros muito além da sua necessidade. O conflito entre a Medicina Baseada em Evidências e a Prática Médica só vai terminar quando a mitologia contemporânea de “transcendência tecnológica” for substituída por uma forma mais racional de atenção ao parto, maximizando a atenção aos aspectos emocionais, psicológicos, afetivos, sociais e espirituais da gestante e sua família, ao mesmo tempo em que usa o recurso tecnológico com extrema parcimônia.
Como empoderar as mulheres para que elas acreditem em si, compreendam que não devem se entregar a uma única opinião médica e devem se afastar de pessoas com ideais contrários?
A melhor forma - e a mais difícil e lenta - é através do exemplo e da informação. Os grupos de mulheres grávidas e o ativismo institucional (ReHuNa, Parto do Princípio, etc.) são formas de organização “de baixo para cima” que poderão oferecer frutos em médio e longo prazo. A internet cumpre um papel fundamental de disseminação das novas ideias relacionadas com o nascimento. Nunca houve tantas mulheres informadas sobre as opções que existem ao seu dispor no que se relaciona ao nascimento. Muito disso se deve aos grupos temáticos da rede internacional de computadores, onde as pessoas podem trocar informações entre si e com profissionais da saúde, objetivando a ampliação da gama opções para encontrar a forma mais adequada e pessoal de parir com segurança e conforto. Assim sendo, pelas características específicas do projeto de humanização0 do nascimento, os resultados só podem ser em longo prazo, pois se trata de uma “revolução” que tem a ver com a sedimentação de novos valores sociais relacionados com a própria posição da mulher na cultura. Tais alterações nos núcleos valorativos da sociedade não ocorrem por decreto, mas através de uma lenta adequação.
A gestante pouco planeja o parto, (parte fundamental) e se apega aos itens materiais da gestação. Isso pode causar danos? Quais?
O pior de todos os problemas é a alienação. Ao desconsiderar as múltiplas alternativas que, em teoria, existem para o seu parto e focalizando-se nas necessidades “mundanas” relacionadas a ele (qual o hospital, que acomodações, quanto custa, etc.) e à chegada do bebê (bebê conforto, fraldas, quarto do bebê, etc.) ela acaba desviando a atenção para as decisões importantes que precisará tomar. Quando a paciente e seu companheiro não são atuantes e participativos na tomada de decisões, o profissional assume a dianteira e o controle do processo. A partir daí o parto não mais lhes pertence, mas será do profissional responsável. Ele tomará as decisões, mas como as responsabilidades também lhe cabem, tais decisões vão acabar contemplando as necessidades do profissional, e não os desejos e aspirações do casal. Empoderar casais significa garantir a eles as rédeas da gestação através do conhecimento e da responsabilização conjunta. Somente assim teremos uma verdadeira revolução cultural sobre o nascimento.
Qual o problema ao induzir um parto em uma gestante com mais de 41 semanas? Há alguma alternativa natural à indução medicamentosa? Ou deve-se esperar o bebê querer nascer?
Induzir um trabalho de parto é uma intervenção médica que induz riscos. A ocitocina é um hormônio potente, que propicia contrações muito fortes, e por vezes violentas. As contrações artificialmente determinadas acabam diminuindo o aporte de oxigênio para a placenta. Desta forma, menos oxigênio e nutrientes chegarão ao bebê. Muitas vezes isso se traduz por alterações nos batimentos cardíacos fetais, e o processo que poderia ser natural termina em uma cesariana. Evitar este tipo de interferência no processo deve ser um objetivo de todo o profissional que deseja um parto mais seguro para sua pacientes. O simples fato de chegar às 41 semanas não deve ser encarado como um “fim de linha” para o nascimento, mas um momento em que se deve monitorar de forma mais intensiva o bem estar do feto, utilizando os protocolos adequados para este fim. Aguardar ou intervir deve sempre ser discutido com o casal, oferecendo a eles a participação nas decisões.
A escolha pelo parto domiciliar está ganhando muitos adeptos, alguns porque gostam da “poesia” que isso passa e outros para evitar os possíveis traumas causados em um hospital. O que deve ser levado em consideração para que esse sonho seja possível?
Partos domiciliares somente podem ocorrer em pacientes de baixo risco. Isto é: não se admitem pacientes portadoras de hipertensão, diabete, doenças do colágeno, malformações ósseas maternas da pelve ou em que a gestação seja prematura, entre outras contra-indicações. Além disso, tais partos precisam ter planos alternativos muito bem elaborados e estudados. É preciso que os profissionais que o atendem tenham experiência e conhecimento das características de um parto no domicílio. Precisam também de equipamento adequado para a atenção de urgência de mães e bebês. É fundamental a existência de um hospital de referência que esteja há pelo menos 30 minutos de distância de onde o parto está para ocorrer. E, por fim, é preciso que o casal esteja plenamente ciente e de acordo com esta opção, reconhecendo os riscos e benefícios de um nascimento extra-hospitalar, e auxiliando os profissionais que os acompanham,
É comprovado cientificamente que a presença da Doula realmente ajuda no equilíbrio do TP e hoje existem vários cursos para essa formação. De que maneira, o Governo poderia ajudar a população mais carente, uma vez que o trabalho da Doula é particular?
As vantagens da presença da doula são conhecidas desde o início da década de 90, através dos trabalhos iniciais de Klaus & Kennell. Posteriormente, uma série de trabalhos foram realizados para avalizar as vantagens da presença de doulas. Estes estudos ocorreram em locais tão diferentes como os Estados Unidos, Guatemala e África do Sul, demonstrando que o suporte que estas mulheres oferecem não diminui com relação às etnias, latitudes, poder econômico e recursos aplicados na medicina. Os governos podem agir de várias formas: estimulando e patrocinando cursos de formação de doulas, organizando-as como categorias profissionais, orientando médicos e enfermeiras sobre a importância do trabalho delas e estimulando economicamente a sua presença em hospitais do estado. Os congressos de doulas também poderiam receber subsídios governamentais para que mais mulheres interessadas em auxiliar no parto possam trocar informações com profissionais de outras localidades e contextos.
Ricardo Herbert Jones é Ginecologista, Obstetra e Homeopata. Formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul é autor do livro "Memórias de um homem de vidro - Reminiscência de um Obstetra Humanista" lançado em 2004 e é indicado para quem busca um parto mais digno. A extensa e sólida carreira do "Dr. Ric" inclui palestras sobre Humanização do Parto já proferidas em todo o Brasil e também no exterior. Participou como "expert" do documentário "Orgasmic Birth", de Debra Pascali-Bonaro em 2008 e recentemente do Documentário "O Renascimento do Parto", de autoria de Érica de Paula e Eduardo Chauvet que contou também com a participação de Marcio Garcia e será lançado em 2012.
Excelente entrevista. Parabéns pela iniciativa. Nossa meta deve ser esta: nos informar e disseminar esses conhecimentos. Obrigada.Gabryelle Patriota
ResponderExcluirOlá Evelyn, parabéns pela entrevista, mas gostaria de corrigir uma informação! O documentário "O renascimento do parto", do qual o Ric participa, é de autoria minha (Érica de Paula) e do meu marido Eduardo Chauvet, com direção do mesmo (Eduardo). O Marcio Garcia apenas participa do filme. Espero que você possa corrigir essa informação!
ResponderExcluirAtenciosamente,
Erica
Olá Érica!
ResponderExcluirDesculpa pela falta de atenção, já corrigi na postagem. Agradeço sua participação.
Um abraço!
Ok, querida, obrigada pela pronta correção! sucesso! :-)
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